Elas dominam e transformam o artesanato em Goiás

7 de junho de 2025 às 15:10

Arte e tradição, o artesanato é também um instrumento de geração de renda. Mulheres se tornam empreendedoras ao se profissionalizarem com ajuda do Sebrae 

Kamylla Rodrigues e Catherine Moraes 

“Por muitos anos escondi minhas melhores criações por ter medo da leitura das pessoas sobre as minhas peças”, afirma Edinar Valeriano Gomes, de 57 anos. Ela é artesã há mais de 30 anos. Uma parte dessa história é construída com muita luta e resistência, mas também com muitas vitórias. Nos últimos cinco anos, o número de artesãos formais cresceu mais de 50% no Estado de Goiás. Atualmente, são 8.055 profissionais formais da área que movimentam a economia goiana, sendo que mais de 50% do total é composto por mulheres. Cada vez mais capacitadas, elas têm mostrado que o artesanato é uma potente força criativa e econômica. Elas apontam um agente importante na pavimentação de suas histórias: o Sebrae. 

Papel reciclado, cola branca, tintas, folhas secas, sementes de plantas do cerrado, um galho caído de uma árvore. Nas mãos de Edinar, tudo isso vira arte e materialização de história. São esculturas que representam a mulher brasileira, a cultura do país e até uma lembrança da infância. “Todo o meu trabalho está ligado à forma como eu interpreto a vida. É o meu olhar sobre o que se apresenta ao meu redor”, diz. 

Edinar, moradora da Cidade Ocidental, mãe de dois filhos, começou a utilizar as habilidades manuais para transformar matéria-prima em arte ainda na infância. “Minha mãe era costureira, minha avó fiava e bordava. Minhas tias criavam adereços para os cabelos e decoração de casa. Minhas roupas e as roupas dos meus irmãos eram feitas pela minha mãe, que muitas vezes aproveitava retalhos e roupas mais velhas dos adultos. Uma das minhas lembranças mais carinhosas é relembrar o movimento dos pés e das mãos da minha avó enquanto ela fiava, transformando o bolo de algodão em linha para mantas, toalhas e até para bordados. Ali, eu já estava em contato com o trabalho feito à mão”, explica. 

A infância de Edinar não foi um período fácil. Numa família composta por nove pessoas, a fome fez presença. “Sobrevivemos lutando contra as dificuldades com união e fé. Como criança na roça, a gente driblava a fome comendo frutas que achávamos pelo mato. Mas isso não tirou minha alegria da vida”. Na década de 1990, Edinar entrou de vez no mundo da confecção, investindo no tricô e no crochê, inclusive ensinando essas técnicas em grupos de mulheres em situação de vulnerabilidade de uma Organização Não Governamental (ONG). 

Mesmo no mercado de trabalho, a artesã vivia sob dificuldades financeiras. “Muitas vezes pensei em desistir, principalmente quando ouvia alguns artesãos mais velhos comentarem que criaram os filhos através desse trabalho, mas eu não via isso acontecer na minha vida. Apesar disso, eu sabia que o artesanato era parte de mim, então a cada passo meu, o artesanato crescia e se aprimorava apesar das muitas dificuldades”, conta a artesã.

Edinar faz esculturas em papel machê reciclado, na cor da terra, e isso já foi motivo de preconceito. “Sempre amei minhas esculturas, mas por muitos anos escondi minhas melhores criações por ter medo da leitura das pessoas sobre as minhas peças. Tentei por muitos anos fazer peças brancas. Literalmente brancas. Tentei deixar a matéria prima, ou seja, a massa de papel machê tão lisa quanto a maisena. E era sempre frustrante! Como trabalho com papel reciclado, também ouvi várias vezes que minhas criações não tinham valor real financeiro, ou que eu deveria cobrar sempre o menor valor. Eu não entendia ainda o que era o ato de criação. Não entendia ainda que o que eu faço é único”, lembra. 

Foram anos de muita resistência, resiliência e confiança num dom. Até que o cenário mudou. Hoje, Edinar é fiel à textura, cor e história de sobrevivência dos seus ancestrais. “Eu amo todas minhas criações e sei o valor que elas têm, principalmente por que elas estão comigo em toda a minha caminhada. Hoje elas têm voz própria e eu me reconheço nelas”. 

Confira alguns trabalhos de Edinar:

Profissão artesã

Em 2021, Edinar participou de capacitações, palestras, trilhas e oficinas do Sebrae Goiás. Esses aprendizados deram a ela a base de um negócio, como a estratégia de precificação, a marca empresarial, vendas, marketing, fluxo de caixa e controle do capital de giro. Mas muito mais do que a técnica, o Sebrae a enxergou como empreendedora e dividiu esse olhar com ela mesma. Depois disso, Edinar participou do primeiro evento Sebrae Delas – Desenvolvendo Empreendedoras Líderes Apaixonadas pelo Sucesso, um programa de aceleração com o objetivo de aumentar a probabilidade de sucesso de ideias e negócios liderados por mulheres. Naquele ano, ela se inscreveu em um concurso de artesanato e seu trabalho ficou entre os 20 melhores do Brasil. 

Em 2023, alcançou o 1° lugar do Prêmio Brasília de Artesanato/Sebrae com a escultura “mulher pequi”. “A partir daquele momento minha vida enquanto artesã mudou completamente. Minhas peças foram vistas por um público completamente diferente e alcançaram, inclusive, o mercado do design e da decoração, entre eles Casacor, Antiquário Lambu, Fargo e outros espaços. Este ano também, tive a minha primeira exposição intitulada ‘Joias Goianas’. Minhas peças estão na casa do governador, de desembargadores, juízes, famosos. Estão lá representando a história de um povo, a minha história”, comemora a artesã.

Várias peças de Edinar estão expostas na loja do Sebrae Goiás dentro da 27ª edição da Casacor, considerado o maior evento de arquitetura, design de interiores, arte e paisagismo das Américas. O espaço foi aberto no dia 9 de maio e segue até dia 23 de junho, em Goiânia. “É uma vitrine para o mundo”, diz Edinar que faz do artesanato sua fonte de renda e de sonhos. “Confecciono minhas peças em casa e minha maior vontade é poder montar meu ateliê lá. Esse é meu novo sonho”, completa. 

Este é o quarto ano de loja do Sebrae dentro da Casacor e conta com 3 mil peças de mais de cem expositores, entre artesãos e cooperativas do segmento. Ali, os artesãos mostram a diversidade de materiais e técnicas que se conectam com hábitos culturais seculares. De acordo com a gestora estadual do Programa de Artesanato do Sebrae Goiás, Daniela Caixeta, para a edição de 2025, o Sebrae lançou uma premiação para os 56 profissionais da arquitetura, design e paisagismo que montaram os 37 ambientes planejados. “A gente percebeu nesses quatro anos de Casacor que muitos arquitetos adquiriam peças de artesãos fora do estado de Goiás. Sabendo da nossa qualidade e do nosso potencial, lançamos o prêmio para o profissional que usar nosso artesanato na composição do cenário. Assim, a gente abre portas”, explica. 

Mulheres sustentam o artesanato em Goiás 

O artesanato é uma atividade milenar, uma das profissões mais antigas do mundo. É um setor promissor para o desenvolvimento econômico e social de uma comunidade. O Brasil tem hoje, segundo o Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB), 10 milhões de artesãos. A maioria é de mulheres que vivem diretamente da própria produção. O setor produz aproximadamente 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e movimenta cerca de R$ 100 bilhões por ano. 

Em Goiás, de acordo com o levantamento do Sebrae com dados da Receita Federal, são 8.055 empresas da área do artesanato. Os pequenos negócios somam 98,9%, com destaque para o Microempreendedor Individual (MEI), que detém 72% do total (5.813).  Entre 2020 e 2025, houve um aumento de 54,5% no número de empresas desse segmento, passando de 5.214 em 2020 para 8.055 em 2025.

Desse total, segundo a pesquisa, 52,6% das empresas de artesanato são comandadas por mulheres, enquanto 47,4% têm como gestores os homens. Outro recorte da pesquisa mostra que em 2025, foram abertas 828 empresas no setor. 

O governo de Goiás, por meio da Secretaria da Retomada, contabiliza o número de artesãos que estão inseridos no Sistema do Artesanato Goiano (SAG). Goiás tem hoje 11.049 profissionais que usam técnicas manuais para transformar matéria-prima em produto que expresse identidades culturais. Do total, 7.809 (70%) são mulheres. 

A professora-pesquisadora da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG), Lêda Guimarães tem se dedicado à pesquisa sobre visualidades populares, o que inclui o trabalho artesanal, em especial, o trabalho desenvolvido por mulheres. Ela explica que, no Brasil, o trabalho artesanal nasceu em primeiro lugar no contexto dos trabalhos braçais e servis, trabalhos domésticos geralmente no meio de uma grande parcela da população desprovida de meios econômicos. “Nasce de uma mistura étnica, no cruzamento de saberes diversos, a forte presença das técnicas indígenas e dos saberes trazidos com os escravizados das diversas Áfricas que trouxeram e difundiram entre nós ofícios como o trabalho com ferro, com o tratamento de couro de animais, o trabalho com a madeira, só para mencionar alguns ofícios”. 

Ela afirma que em Goiás as mulheres estiveram presentes desde sempre em contextos específicos tais como a  produção advinda de uma tradição mais doméstica, tarefas historicamente associadas ao trabalho feminino. “Em Goiás destacam-se por exemplo as paneleiras da Cidade de Goiás, as Fiandeiras  de Hidrolândia, dentre outras produções”.

Leda Guimarães explica que o fato de Goiás ser um estado amplo, com cinco microrregiões e diferentes características geográficas também influencia na produção artesanal mais proeminente em cada lugar. Além disso, ressalta o fato de o Estado ser rico em manifestações culturais, como a Folia de Reis, a Catira, as Cavalhadas, festas da tradição que demandam a produção de objetos lúdicos, decorativos, instrumentos, vestuários e culinária, por exemplo. 

“No estado de Goiás, o artesanato é bastante rico e diversificado, refletindo a cultura e as tradições locais. Algumas das principais formas de artesanato que caracterizam Goiás incluem a produção de cerâmica, de madeira (tanto de objetos utilitários como figurativos, escultóricos). Temos também uma produção de trançados e fibras naturais. Nestes, destaca-se a produção de figuras de palha feita em Olhos D’água. Ainda ligados aos trançados temos a produção das fiandeiras e tecelãs, com destaque para Hidrolândia, mas também forte em outros lugares. O município de Cristalina é conhecido como ‘capital dos cristais’ e tem uma tradição de artesanato de pedra, especialmente de cristais de rocha. Ou seja, não podemos afirmar sobre um estilo, mas podemos dizer que existe uma produção de objetos, em especial de miniaturas em madeira, que remete  a processos da colonização do Estado, como por exemplo o carro de boi,  miniaturas de ambientes rurais ou interiores de casas na fazenda, dentre outros objetos que alimentam uma memória e um estilo que se reinventa em um imaginário sertanejo”, pontua. 

Feira Hippie surge como aliada 

A pesquisadora reforça que é complicado explicar o artesanato goiano como uma identidade fixa, bem como explicar como começou, uma vez que o que chamamos de artesanato está ligado ao fazer, à produção de objetos utilitários ou ritualísticos presentes em todo agrupamento humano desde os mais remotos tempos.

“Algumas atividades artesanais podem ser identificadas como mais antigas ligadas aos modos de vida dos séculos passados tais como a tecelagem e a cerâmica utilitária. Mas é no século XX que temos um olhar para essa produção. Em Goiânia, por exemplo, a primeira feira hippie surgiu em 1978 criada como um espaço de convivência, cultura e comércio alternativo, no qual estava fortemente inserida a produção artesanal associada à busca de outras formas de vida que não se resumissem ao capitalismo. As feiras de artesanato surgem na época em que o artesanato estava em alta no país, demandando políticas públicas de atenção a essa produção, possibilitando a criação de espaços de visibilidade e circulação”, completa a pesquisadora. 

De acordo com Lêda, o movimento hippie ganhou força na década de 1970, e foi nessa década que houve uma atenção para as formas artesanais como expressão de uma cultura latino-americana e que essas formas precisavam de ações de combate ao desaparecimento das manifestações culturais tradicionais. “O Brasil começou a implementar políticas públicas voltadas para o artesanato, com destaque para o fortalecimento do setor como uma expressão cultural e uma fonte de renda, por exemplo: o Instituto Nacional de Artesanato (INA), criado em 1973, que tinha como objetivo promover, valorizar e organizar o artesanato brasileiro, além de oferecer apoio técnico e capacitação aos artesãos.” 

A pesquisadora afirma que na década de 1980, o governo criou o Programa Nacional de Artesanato (Prona), que buscava ampliar o reconhecimento e a comercialização do artesanato nacional, além de fortalecer as associações de artesãos. Ela diz que, curiosamente, esses programas não estavam associados à cultura, e sim ao Ministério do Trabalho e Emprego que atuava na área com ações para a formalização do setor. “Só na década de 2000 é que vamos ter o Sistema Nacional de Cultura e programas específicos, como o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), passaram a incluir ações voltadas ao artesanato, promovendo a valorização cultural e o desenvolvimento sustentável”, completa. 

Sebrae como parceiro

O Sebrae Goiás tem sido um catalisador para fortalecer esses negócios. Entre 2022 a 2024, o Sebrae atendeu 600 artesãos. A expectativa é fechar o ano de 2025 com 300 empreendedores atendidos. “Nosso papel é oferecer para esse profissional consultorias, capacitações para que eles saibam precificar seus produtos, gerir suas empresas, fazer as vendas e atuar na propaganda do negócio no mundo digital. O Sebrae TEC também ajuda na elaboração da marca na embalagem. Além dos programas, ainda estamos inserindo esses artesãos em grandes exposições, levando os produtos de Goiás para outros estados e até pra fora do país”, explica a gestora estadual do Programa de Artesanato do Sebrae Goiás, Daniela Caixeta. 

O programa de artesanato do qual Daniela é gestora existe desde 2021. “A gente faz um planejamento e organiza os melhores eventos de artesanato. Convidamos os artesãos e ajudamos com 50% das despesas. É um apoio muito significativo porque é uma forma de levar a qualidade do artesanato goiano para outros estados. E o interessante é que a gente também mostra a nossa diversidade. Poucos estados têm a diversidade de material que nós temos”, explica ao destacar também a transformação pessoal das mulheres que se tornam donas do próprio negócio. “Muitas vezes estão invisibilizadas e sofrem muitas violências. Algumas até deixam aquele dom de lado. Mas nós conseguimos resgatar essa potência através de um novo olhar sobre aquilo que elas amam fazer. E isso é o nosso maior ganho.”

Publicizar o que Goiás faz com as mãos é gerar valor em vários aspectos. “Recebemos muitos artesãos que não tinham muito recurso, não sabiam o caminho e com o Sebrae encontraram uma direção, souberam o valor de cada trabalho e conseguiram crescer. Estamos sempre investindo em qualidade e inovação e dá pra perceber a evolução dos trabalhos manuais nos últimos cinco anos. Não é só artesanato. É obra de arte”, diz Daniela. 

Cerâmica de Pirenópolis no mercado de luxo 

E foi numa cozinha antiga que o Sebrae encontrou o talento de uma artesã empreendedora. Luiza Moura Reis, de 25 anos – que tem como inspiração as paisagens do cerrado – contribuiu para a inserção da cerâmica artesanal de Pirenópolis no mercado de luxo. Ela é a fundadora da Angico Cerâmicas. 

“O Sebrae entrou na nossa vida de uma forma curiosa. Meus pais possuem uma plantação de uva voltada para a viticultura. Em 2022, minha família recebeu uma comitiva de profissionais da área, entre eles agricultores e o Sebrae, por meio da analista Cynthia Bretas. Ela passou pelo nosso ateliê improvisado que ficava numa cozinha antiga, viu nossos produtos, entrou e falou: ‘vocês são incríveis e precisam participar da Casacor’. A partir daquele momento, a gente passou a viver a arte do artesanato”, lembra Luiza.

Antes de tudo isso acontecer, Luiza tentou entrar em outros caminhos, mas a arte a trouxe de volta pro lugar que era dela. “Eu cursava bacharelado em Física na UFSC de Santa Catarina, mas passava mais tempo procurando a arte em todos os lugares do que enfiada em números. Decidi voltar para Goiânia e me aprofundar em técnicas artísticas antes de entender o que fazer em seguida. Fiz seis meses de aulas de fotografia, um ano de curso de pintura a óleo no Basileu França. No final de 2019, pensei que meu caminho era na arte da comida e fui aprovada na Universidade Estadual de Goiás (UEG) de Pirenópolis para cursar gastronomia. Como minha família já tinha uma chácara na zona rural da cidade, decidi que ali era meu próximo rumo. As aulas iniciaram em março de 2020, mas logo veio a quarentena e meu sonho de virar uma chef foi despencando. As aulas eram totalmente técnicas ministradas de forma on-line.”

Ela explica que naquele ano, começou a se aprofundar novamente na área artística e depois de um tempo, com a quarentena diminuindo, passou pela Cidade de Goiás e se encantou com os artesãos de lá e a arte em cerâmica que eles desenvolviam. “Voltei para Piri e a primeira coisa que fiz foi sair em busca de argila. A partir deste dia, nunca mais parei. Fiz um ano de aulas de cerâmica em Goiânia no ateliê do Marcos Fleuri e comprei meu primeiro torno no final de 2021. Aprendi sozinha e com o tempo a tornear. Foi assim que a Angico passou a existir”, explica Luiza. 

Confira alguns trabalhos de Luiza:

A Angico fabrica peças em cerâmica. A matéria prima é a argila, que é comprada em Minas Gerais. Mas, talvez, o ingrediente que torna tudo único seja o afeto. “Cada peça é feita com muito cuidado e delicadeza, para transmitir o que eu estou sentindo naquele momento. São muitas etapas até ficar pronta. Pedimos um prazo de 30 a 40 dias para os clientes. Eu adoro quando o cliente recebe e fala: ‘Meu Deus, que lindo’. Ali, eu cumpri meu papel”, conta Luiza. 

Luiza já representou Goiás no 18º Salão do Artesanato na Bienal de São Paulo e já participou três vezes da Casacor. Inclusive, na edição deste ano do evento de decoração, a Angico Cerâmicas foi responsável por fazer um mural com flores no espaço da arquiteta goiana Maryana Ferreira. “Ficou lindíssimo. Foi um desafio muito grande porque foi algo que nunca fizemos”, diz Luiza. Como ela mesma escreveu numa postagem: “A poesia virou barro e tudo aqui floresceu”. 

2025 continua sendo um ano de transformação para Luiza e o marido Mateus Rezende Ribeiro, que é sócio da Angico. Eles abriram a primeira loja física em Pirenópolis. “Está sendo transformador tanto financeiramente como profissionalmente. E agora, a gente enxerga nossa potência para além das peças utilitárias. Estamos entrando no mundo decorativo”, festeja Luiza, que almeja subir mais degraus. “Meu maior sonho é sentir que eu deixei minha marca artística no mundo. Ser reconhecida pelo meu trabalho. Olharem minhas peças e saberem que foram feitas pelas minhas mãos”, finaliza. 

Políticas públicas, inserção no mercado e parcerias  

No âmbito do Estado de Goiás, a política pública voltada ao artesanato foi fortalecida com a criação do Sistema do Artesanato de Goiás (SAG), instituído pela Lei nº 20.979, de 30 de março de 2021. A mesma legislação criou o Conselho do Artesanato de Goiás (CONARTGO) e o Selo do Artesanato de Goiás, com o objetivo de organizar, regulamentar, promover e valorizar a atividade artesanal em todo o território goiano. “O SAG representa um marco na consolidação de uma política estadual voltada ao artesanato, elevando seus aspectos culturais, profissionais, sociais e econômicos. Também fortalece a identidade e a cadeia produtiva do artesanato em Goiás”, ressalta o titular da Secretaria da Retomada, César Moura. 

O artesão é cadastrado no Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) e tem a Carteira Nacional do Artesão emitida, que concede a ele o reconhecimento profissional e benefícios, entre eles o acesso à previdência, possibilitando aposentadoria por meio da cotização, isenção fiscal em todo o território nacional, participação em editais, feiras estaduais, nacionais e internacionais. 

“O poder público possibilita o acesso a políticas de fomento, qualificação e inserção no mercado formal. Ao garantir esses instrumentos, o Estado contribui diretamente para a valorização do fazer artesanal, a sustentabilidade econômica do setor e a conservação do patrimônio imaterial. Além disso, o apoio institucional assegura a visibilidade nacional e internacional do artesanato, impulsiona o empreendedorismo criativo e fortalece a economia local, sobretudo em comunidades tradicionais e vulneráveis. Dessa forma, o impacto do artesanato é amplo: promove desenvolvimento com identidade, equidade social e respeito à cultura”, pontua o secretário César Moura. 

A secretaria da Retomada lançou o Programa Goiás Feito à Mão 2025, que busca ampliar as oportunidades de mercado para os artesãos locais, promovendo a cultura e a economia criativa do estado. “Somente neste ano, o programa Goiás Feito à Mão já promoveu feiras em Goiânia, na Cidade de Goiás e apoiou a participação do artesanato goiano no Salão do Artesanato, em Brasília. Também temos na programação mais nove feiras regionais, em Goiânia e no interior; cinco feiras nacionais e duas internacionais”. 

A relação entre o Estado, por meio da Secretaria da Retomada, e o Sebrae é de parceria estratégica e complementar, segundo o secretário da pasta César Moura. “Enquanto o Estado promove editais públicos e garante espaços de comercialização para os artesãos, o Sebrae oferece apoio logístico e formativo, como hospedagem para artesãos em deslocamento — seja do interior para a capital ou vice-versa — além de ações de capacitação empreendedora”. Ele explica que essa colaboração permite a construção de um ambiente de intercâmbio de conhecimento e o contato direto com o mercado. “Juntas, as instituições fortalecem a cadeia produtiva do artesanato, promovem o desenvolvimento econômico e cultural e ampliam a inserção qualificada dos artesãos no mercado”, completa o secretário. 

Para a professora-pesquisadora da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG), Lêda Guimarães, a comercialização de produtos artesanais, seja em feiras, lojas ou pela internet, contribui para o fortalecimento da economia local e até mesmo para o turismo, atraindo visitantes interessados na cultura e nos produtos regionais. “O artesanato é uma peça-chave na promoção do desenvolvimento sustentável e na geração de renda em várias partes do Brasil”, completa. 

“Eu não me achava capaz”, afirma Tuka Pereira

Tuka Pereira tem 59 anos, mas exerce uma arte que começou ainda na infância. A menina que morava no interior, tinha uma certeza: ela queria ser artista.  “Sou autodidata. Vendi minha primeira peça de artesanato com 14 anos de idade. Eu sempre fui a que desenhava a capa dos trabalhos. Sempre fui muito criativa e muito manual. Eu queria continuar na arte, tinha certeza. Mas não tive a oportunidade de estudar. Depois casei e as prioridades foram mudando.”

Ela afirma que nunca abandonou o artesanato e que, depois de morar em vários estados, se mudou para Goiânia. Na época, os filhos estavam cursando o Ensino Médio e ela decidiu se dedicar mais ao artesanato. Começou a fazer caixas reaproveitando bijouterias, mas conta que alguns amigos sempre falavam para ela tentar produtos com argila e cerâmica. “Eu não me achava capaz. Eu não tinha essa confiança. Eu achava tão bonito, que não me achava capaz. A gente acaba se depreciando, né? Eu nunca tinha tentado. Um dia, o Carmelito Pereira, que é um grande artista em Aparecida de Goiânia, me deu meu primeiro pacote de barro e falou: vai tentando. As primeiras peças ficaram um horror, mas eu gostei de moldar. A repetição leva à perfeição e eu ainda estou no processo, não cheguei lá.”

Carmelito Soares é conhecido em Goiás pelas suas obras de miniaturas bovinas, pela arte que mostra a força do campo e sugeriu que Tuka tentasse começar pelos animais. “Carmelito falava assim: faz uma galinha…”, sorri ao lembrar. Outro amigo sugeriu que ela refletisse um pouco mais sobre o tipo de arte que gostava e foi aí que ela se lembrou daquela menina. “Eu fui pensando que quando eu era criança eu gostava de desenhar rostos e  aí eu comecei. Eu soube que queria fazer figuras humanas.”

Na pandemia da Covid-19, Tuka conta que ficou em casa por 1 ano e 7 meses. A saudade dos abraços virou arte. “Eu sou muito do toque, do abraço. Fiz meu primeiro abraço na pandemia e não ficou bom, mas um dia vendi pra um cliente e comecei a fazer uma série de abraços. Em 2022, trabalhei pelo Sebrae na Casacor como vendedora e um arquiteto colocou um dos meus abraços no ambiente. Eu vendi tantos abraços e mais, as pessoas não acreditavam que aquelas obras eram de Goiás”, completa Tuka.

Confira algumas obras de Tuka:

Tuka conta que sua história com o Sebrae começou muito antes e que ao longo desses anos foi muito importante para o seu trabalho. “Em 2010 fui convidada para participar da Central do Artesanato, uma loja que unia artesãos goianos e lá conheci o Sebrae. Aprendi a precificar, entendi mercado, meu nicho, a faixa etária do meu cliente, escolaridade. Eu entendi que meu público é de 30 a 60 anos, com formação superior e que essas pessoas gostam de afetividade. Quem gosta de arte abstrata, por exemplo, passa pelo meu trabalho e não olha. Identificar tudo isso é importante. Até então eu só participava de feiras. E eu descobri que meu público não estava nestas feiras, por exemplo. Os cursos me deram uma clareza no caminho. Hoje eu vendo melhor porque eu sei onde está meu público. Hoje eu sou uma pessoa realizada. Estou trilhando um caminho”, ressalta a artesã. 

Descobrindo novos talentos 

Goiás ainda conta com artesãos que se reúnem em associações e cooperativas como a Associação dos Artesãos do Estado de Goiás (Asaego) e a Cooperativa de Trabalho dos Artesãos do Estado de Goiás (Cartago). Além da venda de produtos, Tuka conta que está ministrando aulas na Cartago e que além do retorno financeiro, há uma certeza de que a arte também é uma missão. “Estou descobrindo artistas que não sabem que são artistas, assim como eu não sabia. Isso é muito gratificante”, comenta Tuka.

Nivaldo Licio, de 52 anos, é presidente da Associação dos Artesãos do Estado de Goiás (Asaego) que hoje reúne cerca de 250 artesãos. Fundada em 1994, pelo seu Geraldo Pereira, já teve quase 2 mil cadastrados. A pandemia, segundo Nivaldo, foi um divisor de águas. Na lista de produtos: escultura em madeira, em argila, pintura e artesanatos indígenas. Além de divulgação dos produtos, as associações também auxiliam na comercialização e profissionalização. Já funcionaram no prédio da Antiga Estação Ferroviária, na Avenida Goiás e fecharam a sede física durante a pandemia. Hoje estão no setor Santa Genoveva. “Temos muitas famílias: pai, mãe, filhos”, explica Nivaldo. 

O artesanato se consolida como um espaço de valorização da mulher, que transforma saberes tradicionais em identidade, sustento e inovação.

“Não se trata de apoiar. É adquirir arte pela arte. Pela capacidade comunicativa da obra. É reconhecer que sem arte a vida não existe e nesse aspecto reconheço e valorizo o trabalho da Tuka. Ele me desperta sentimentos e é primoroso tecnicamente. Reconhecendo o valor artístico, o valor financeiro é uma consequência justa ao criador”.

Antonio Marcos Souza Cardoso, amigo de Tuka, que adquiriu o primeiro ‘abraço’ da artesã

“Eu sou admiradora do trabalho da Angico e quando fui criar meu ambiente para a Casacor, queria algo autoral e único nas paredes. O painel de flores de cerâmica surgiu na minha mente e pensei imediatamente no trabalho deles, que já aplicavam flores em suas peças. A parede tem sua própria personalidade e todas as flores significam as pessoas que colaboraram com o ambiente. Trouxe poesia e romantismo para o meu ambiente”.

Arquiteta goiana Maryana Ferreira

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